netscope

Páginas

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Como uma renitente no assunto se torna uma mãe... convicta

Fui completamente apanhada na curva com esta história de ter um filho. Vamos começar do princípio: não sou uma children lover. Nunca fui. Sempre me considerei mais uma children runner: onde havia crianças, tinha uma aterradora tentação de debandar, fosse na praia, no hotel, no restaurante. Estridentes, mal-educadas em muitos casos, ou simplesmente… crianças. Não há paciência a não ser em doses muito moderadas, estilo medicamento homeopático. A vida permitia-me, por norma, permanecer afastada dos pequenos seres porque, em obediência à premissa taoista de que semelhante atrai semelhante, as minhas amigas não tinham filhos. A aproximar-se dos quarenta, tal como eu, conservavam-se alegremente (umas mais que outras) livres para se dedicarem a tudo menos a fraldas, a cocós e a noites mal dormidas, o que conduziria inevitavelmente os nossos jantares de gajas  a conversas sobre as fraldas, os cocós e as noites mal dormidas. As poucas crianças que surgiam na minha vida não eram, porém, desprezadas ou nada assim. Mas quando as minhas sobrinhas me pediam para ir vestir a Barbie com elas, suspirava para dentro. Nunca tive paciência para brincar.

Nisto, decidi ter um filho. Estava eu a viver a minha vidinha relativamente descansada quando, um belo dia (foi mesmo assim), aparentemente do nada, a ideia se cruzou comigo, enquanto fazia o meu caminho, com a fúria de uma mão divina. Queres e pronto, arranja-te porque agora não vais conseguir deixar de querer. De um momento para o outro, a ideia não me saia do caminho. Via grávidas na rua e só queria ser eu a estar grávida. Sonhava com uma barriga. Com enjoos e mamas inchadas e isso tudo, enquanto pensava, laconicamente, que a mudança não iria ser assim tão radical, graças à meia dúzia de avós disponíveis para o que desse e viesse. Era uma questão de arranjar um pouco mais de espaço numa agenda já de si preenchida, nada de mais, entre o trabalho, o ginásio e o curso de astrologia. Queria simplesmente ter um filho.

E engravidei.

Não me parecia à partida nada do outro mundo. As mulheres andam a fazê-lo desde que há hominídeos. É só uma questão de arranjar mais espaço na cama e umas roupas largas. Nove meses e uma criança está cá fora e a espécie continua.

Pois bem, um dois três, estás grávida. E o que é que aconteceu? Apaixonei-me. Amei o meu filho antes dele ter pernas, braços, nome. Amei-o no primeiro momento em que o vi (e como era pouco bonito). Pois é verdade que já vivi algumas histórias de amor. Já amei perdidamente, apaixonadamente, fugazmente. Mas nunca amei  de forma tão absoluta. Isso é tão verdade que se torna lugar-comum. Mas eu, que fugia dos lugares-comuns, esbarrei com todos. Foi a biologia a funcionar? Bem, nesse caso funcionou na perfeição, porque soube que nunca, mas nunca, o iria deixar e que matava quem lhe quisesse fazer mal. Soube que não quero mais nada a não ser que a ele seja feliz. Descobri que agora tenho medo da morte porque não quero que ele fique sem mim. Que não quero saber se ele é esperto ou burro, se vai gostar de homens ou de mulheres, se vai querer ser carpinteiro, futebolista ou gestor de empresas. Quero apenas que ele seja feliz. Quero apenas que as gargalhadas, se prolonguem na sua vida, sabendo que o vou amar e que, merda, ele vai sofrer, porque todos sofremos, e essa ideia é terrível. Descobri uma paciência infinita para estar de rabo no meio do chão, o dedo dele a apontar num livro sempre os mesmos bonecos e eu a repetir como um mantra "é o pato, é a galinha có-có-ro-có e ele a rir. E no meio disto tudo,  deixei de conseguir ver filmes onde acontecem coisas más a crianças. Choro como uma Madalena. Fico deprimida e angustiada. Deixei-me disso. Conclusão: as escolhas cinematográficas reduziram-se. Até porque vou menos ao cinema e não é porque não tenha os seis avós disponíveis e tudo o mais. É porque, na grande maioria dos dias, quero ficar com ele. Ir buscá-lo ao final da tarde. Rir-me com ele enquanto lhe faço cócegas. Levá-lo ao parque e dizer-lhe o nome de todas as coisas Sentir os braços dele em redor do meu pescoço. Adormecê-lo com  um história tonta e a fazer-lhe festas no cabelo. Sussurrar: Infinitos. Infinitos de Amor.


E se no final disto tudo ganhei paciência para as crianças? Não, nenhuma. Só para o meu.



Sem comentários:

Enviar um comentário